Meu olhar sobre a prática médica: escuta, acolhimento e ciência
O que você espera de uma consulta médica? Muitos esperam que o médico prescreva um remédio para resolver seu problema como uma poção mágica e só voltar quando outro problema surgir. Alguns evitam ir ao médico porque sabem que serão julgados, como se o médico fosse seu pai, e o pai está zangado. Outros querem que o médico os entupa de remédios e exames para fazer, para erradicar qualquer possibilidade de doença, mesmo que ela não esteja doente, afinal (para essas pessoas) que tipo de médico não passa remédio, nem exame? Outros vão em busca de serem ouvidos e tem essa expectativa frustrada com um médico frio e com pressa de atender o próximo paciente. Outros precisam de uma solução viável para seu problema e recebem a receita de um remédio caro, da “única marca que funciona (e não o genérico!)”, se é que você me entende. Eu e o perfil de pacientes somos um tanto diferentes; acredito que um médico deva te escutar e fazer o que é necessário para que você fique bem, sem mais, nem menos.
Eu fui uma criança (e continuo sendo como adulto) que por questões de saúde ia aos médicos constantemente; já vi de tudo, desde médicos que se tornaram amigos de tanto cuidado com a minha pessoa a médicos que nem chegaram a olhar nos meus olhos. Sou grato por ter mais médicos que se encaixam no primeiro perfil do que o segundo, mas o segundo tipo me inspirou muito a ser completamente diferente deles. Durante a faculdade, tive muitas aulas sobre ética e cuidado com o paciente e fui constantemente estimulado a escutar com atenção, entender que uma doença não acontece só por um fator, mas vários, desde onde você mora até o que você pensa; mesmo um resfriado pode ser culpa não só do vírus que causa resfriado, mas muitas outras coisas associadas.
E na prática, eu vejo isso na prática todos os dias: pacientes que não podem comprar um remédio que o ajudaria por causa do preço, pacientes com problemas que se resolveriam se o emprego não fosse abusivo, se os familiares fossem menos custosos, se a vida fosse diferente. Por muito tempo isso me deixou perturbado, com a sensação de que eu poderia dar o meu melhor na consulta e seria tudo em vão, porque eu sou só uma peça do quebra-cabeça; foram muitos dias de trabalho e terapia para perceber que embora eu não seja o quebra-cabeça todo, ainda é valioso ser uma peça do quebra-cabeça da saúde dos meus pacientes.
E onde entra a ciência? A Medicina Baseada em Evidências guia minhas decisões, mas a vida real complica as coisas. O remédio ideal é caro? O paciente odeia tomar comprimidos? Um exame demora meses na fila? Ou, ainda, o paciente toma um suplemento placebo, mas jura que funciona – devo interferir? São questões muito complexas e exigem médicos complexos, que escutem os pacientes e consigam pensar em rotas alternativas que cheguem ao meio termo entre o que deve ser feito e o que pode ser feito.
Então, depois de alguns anos de experiência, me tornei o médico que sou: eu escuto o paciente, faço esforço ativo para olhar mais para o paciente do que para a tela do computador e a decisão sobre o tratamento não é somente minha, mas também do paciente. Nunca coagi um paciente a tomar um remédio que ele não quer tomar ou não pode comprar. Nunca prescrevi um remédio sem explicar para o paciente o que ele tem, o que aquele remédio faz e o que vai acontecer caso ele tome o remédio ou não. Tento o máximo não pedir exames que não vão ajudar no diagnóstico e quando faço, é porque vejo que o paciente se sente inseguro e precisa de um papel dizendo que ele não está doente para se sentir bem. E acredito que tem dado certo; a grande maioria dos meus pacientes segue o que falo com respeito, os que não seguem conversamos novamente para chegar em um novo acordo e mesmo quando não há melhora, meus pacientes demonstram que me respeitam e sabe que eu tentei o meu melhor para reestabelecer sua saúde e é isto que me motiva.
Em síntese, creio que um médico deve sempre ter uma relação de diálogo, escuta, fala respeitosa, cuidado e carinho com os pacientes para que juntos consigamos fazer com que a saúde esteja o mais plena possível, que você se sinta bem consigo. É deitar a cabeça no travesseiro sabendo que fiz o que podia – e dormir em paz.

